domingo, 3 de janeiro de 2010



        Demorei bastante tempo para me decidir como começaria esse texto, então resolvi começá-lo assim: começando. Assim, meio desajeitado, mas começar começando. Repasso mentalmente todas as coisas sobre as quais não posso deixar de falar e vem um medo, aquele medo de não conseguir falar de todas as coisas sobre as quais não se pode deixar de falar ou, pior, fazê-lo de forma inapropriada. Ou, assim, desajeitada. Que seja.
        Ouço por aí muitas coisas sobre o Instituto. Que transforma vidas e modifica histórias, com letra minúscula (e faz História, com letra maiúscula). Que “entrar é fácil, difícil é permanecer”. Que “vai garantir o seu futuro, filha!”. Etc, etc. Mas de todos esses comentários, existe um em especial que ficou na minha cabeça, meio preso em algum lugar entre neurônios, parafusos e outros ingredientes dessa massa um tanto quanto cerebral. “A Escola de Oportunidades”, disseram. Ouvi. Refleti. Embora à época tenha concordado plenamente, hoje penso em outras possibilidades.
        Ao entrar no Instituto, somos como crianças assustadas – e sinto-me apta a “ser”, na primeira pessoa do plural, pois nunca soube de alguém que discordasse que a expressão da maioria dos calouros seja, sim, de puro susto. Para essas crianças assustadas, o Instituto é, nada mais, nada menos, que “A Escola de Promessas”. Promessas não verbalizadas, é claro, mas promessas, dessas que se formam na mente das pessoas quando são criadas expectativas acerca de qualquer coisa. Com o tempo, vira “Escola dos Deslumbres”. O aluno, menos assustado com o desconhecido daquele espaço, o que agora já nem é mais tanto, se apaixona pelas possibilidades, pelo movimento, pelos recursos de laboratório e mídia, pela paixão que não se contém por trás do brilho dos olhos de cada professor, de cada funcionário. Se apaixona junto.
        Essa paixão não morre, mas aos poucos ele é absorvido pelas tensões que tanto os assombravam lá no início. “Bem que me diziam que não seria fácil estudar aqui.” Avaliações, trabalhos intensos. A “Escola dos Deslumbres” vira, subitamente, a “Escola da Tensão”. E aquela chama, aquela chama apaixonada dos olhares de alguns professores parece incendiar um pouco a gente, e quanto mais firmemente acreditam em nosso potencial, maior a cobrança, interna e externa, maiores os trabalhos, maior a tensão. Não é fácil. Mas ao fim do ano letivo, nos víamos abraçados à beira de lágrimas gritando “Conseguimos! Nós sobrevivemos!”. Acabamos descobrindo que, quanto mais árdua, a batalha, mais doce é o gosto da vitória.
        Nós amamos essa escola. Não é esse tipo de amor adolescente que dá e passa, mas um amor profundo, daqueles que chegam a doer, e às vezes doem.
        Mas hoje, a nossa “Escola de Oportunidades”, nossa “Escola de Futuros”, está de luto. E dói, dói muito sequer imaginar que a chama possa apagar. Dói ver uma equipe brilhante de educadores brilhantes que desempenharam um trabalho brilhante sendo escorraçada e tratada como lixo. Essa dor que dói tanto é proporcional ao carinho que sempre sentimos e nunca deixaremos de sentir por eles: seus nomes, acompanhados sempre de um semblante gentil e uma expressão de tranqüilidade e de “Calma, as coisas vão se resolver!”, marcaram nossa história pessoal, assim como sem dúvida marcaram a da região e do Instituto. Dói ver tanta história desconsiderada sem o menor propósito. Dói saber que, por mais que gritemos, façamos manifestações e protestos, no fim das contas nossas mãos permanecerão atadas. Dói. Dói muito.
        Como poderemos voltar às salas de aula e falar sobre democracia? Como conseguiremos encarar os olhos de nossos professores sem que seja transmitida somente a mensagem: Isso tudo não passa de hipocrisia, por que não paramos de mentir pra nós mesmos? Porque, em um país que se diz democrático, ainda nos deparamos com atitudes tirânicas, déspotas, de pessoas que, infelizmente, estão acima de nós, controlando poderes acima dos nossos. Como se espera que conversemos sobre a importância do pensamento crítico e do debate, defendida pelos gregos há milhares de anos? Não seriam esses os pilares da educação como a conhecemos hoje? O que estão fazendo conosco é, além de tudo, subestimar nossa inteligência e capacidade de pensar criticamente. É um atentado contra ela. A forma com que tudo foi articulado não permitiu brechas para debate – foi um golpe. Onde está a democracia?
Em História (com letra maiúscula) conhecemos Che Guevara. De sua boca, vieram as seguintes palavras: “As tantas rosas que os poderosos matem nunca conseguirão deter a primavera.” Faço das palavras de Che, as minhas. Nós lutaremos. Gritaremos até ficar roucos, queremos a volta da democracia e de tudo aquilo que aprendemos a amar.
E não. Não silenciaremos.


Fernanda Ramos, aluna do Curso Técnico Integrado em Hospedagem


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"Obriga-o a compor a mentira alheia para a usar como se fosse a própria verdade. Permeiam a nossa obediência, castigam a nossa inteligência e desalentam a nossa energia criadora. Somos opinados, mas não podemos ser opinadores. Temos direito ao eco, não à voz, e os que mandam elogiam o nosso talento de papagaios. Nós dizemos não: nós negamo-nos a aceitar esta mediocridade como destino.
Nós dizemos não ao medo. Não ao medo de dizer, ao medo de fazer, ao medo de ser. O colonialismo visível proíbe dizer, proíbe fazer, proíbe ser. O colonialismo invisível, mais eficaz, convence-nos de que não se pode dizer, não se pode fazer, não se pode ser. E neste estado de coisas, nós dizemos não à neutralidade da palavra humana. Dizemos não aos que nos convidam a lavar as mãos perante as quotidianas crucificações que ocorrem ao nosso redor. À aborrecida fascinação de uma arte fria, indiferente, contempladora do espelho, preferimos uma arte quente, que celebra a aventura humana no mundo e nela participa, uma arte irremediavelmente apaixonada e briguenta."

GALEANO, Eduardo, Nós Dizemos Não, Editora Revan, Brasil, 1990.






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